ORAI SEM CESSAR!

LIVRO : "E Ele Era Um Mendigo!" Volume I





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E Ele Era Um Mendigo!

Autor: Pastor Ernesto Luis de Brito



 










Barcarena-PA, 09   de março de 2012

ÍNDICE
I - “O Despertar !” __________________________________  pag. 05
II- “Tomada de Decisões!”    ______  _____                pag. 07
III -“UM NOVO COMEÇO!”__________________________pag. 18
IV  - “SONHOS”                          ________           ______ pag. 24
V    - “A IGREJA, A BATALHA”                              ____pag. 31
VI    - “A ESCOLA DO ESPÍRITO SANTO!         _____pag. 60
VII   - “                                                             __ ____pag.
VIII  – “         ”___                                                 ____ pag.
IX     - “   ” ____             _______________________________ pag.
X - “                                                 _________________ pag.







I
“O Despertar!”
Acordei brutalmente golpeado por chutes de vários garotos.
Demorei a entender o que estava acontecendo, se bem que não entendi até hoje.
Cobri o rosto com as mãos para protegê-lo dos chutes e pelas frestas dos dedos pude ver a cara de alguns dos agressores. Não dava para ver todos, mas um em especial chamou minha atenção. Eu era acostumado a vê-lo passar todos os domingos com a família em rumo à igreja que ficava próxima a praça.
Os outros, bem, eu também os conhecia das ruas da cidade, malandros, arruaceiros, etc, mas este jovem nunca o tinha visto em brigas ou arruaças.
Algumas pessoas que viram gritaram que iam chamar a policia e os jovens fugiram correndo e rindo, zombando das pessoas.
Alguns chegaram perto, mas não perto demais, para ver se eu estava bem, se precisava ir ao hospital, mas não era necessário.
Eu estava acostumado a coisas terríveis e não eram alguns pivetes que iriam acabar comigo, maus tratos eram comuns em minha vida. Vida, será que isto é vida? Acho que não.
Com dores pelo corpo todo me levantei. Ainda era noite, percebi que tinha acabado de dormir quando fui tão “amavelmente” desperto pelos “amiguinhos”. Ainda sob efeito de álcool, mas não tinha mais a intenção de dormir, me pus a caminhar em “minha” praça. 
Tinha muitas duvidas em minha mente. Por que havia sido atacado? Vandalismo?; maldade?; com certeza.
Não sentia frio, pois a noite estava bem quente.
Então continuei em meu passeio, os namorados não gostavam muito quando eu passava. As crianças se escondiam atrás dos pais. Eu certamente não cheirava bem e nem tampouco me apresentava bem.
Não sabia quem eu era, nem meu nome, de onde tinha vindo, o que houve comigo, se deixei saudades ou ódios, nada, este era eu, um nada... sem nada...
Eu era “O Mendigo da Praça”, as vezes calmo, as vezes violento, umas bem humorado, outras de mal humor, como todo mundo, mas sem passado. Por incrível que pareça, eu era o único mendigo da praça. Já tinham tentado me tirar dali. Mas eu voltava. Algo me segurava ali.
Permita-me apresentar-lhes a cidade onde moro, afinal serei seu cicerone durante algum tempo.
Moro na cidade “Fundo do Poço”,  ela é pequena mas nem tanto. Tem seu charme. É mal cuidada, mas dá para se viver nela. A violência é a mesma de qualquer outra cidade da região. Existe corrupção como em todas as outras. Tem gente boa e gente má, como puderam ver a pouco. Tem até gente que me traz comida. Tem uns velhinhos que conversam comigo, eles ficam falando, falando, falando, da vida de todos, criticam, elogiam, e não param de falar. Bem, eles não vêm aqui para conversar comigo, é que na verdade, eu os ouço falar sem interromper, já que meu dia é sempre igual, amanhece, entardece e anoitece e eu aqui na praça sem nada para fazer. Então eu escuto atentamente, se bem que às vezes durmo enquanto eles falam, mas eles nem percebem, e continuam falando.
Hoje o céu está muito bonito, mesmo muito machucado, me sinto romântico e com vontade de “ter uma vida”, afinal isto aqui não é vida para ninguém, nem para mim.
Vou ate o chafariz, lavo os ferimentos, alguns namorados se afastam da borda do mesmo, mas não falam nada. Todos me conhecem, moro nesta praça há muitos anos, vi muitos destes garotos e garotas correndo aqui ainda de shortinho e até mesmo de fraldas. Hoje os vejo já se interessando uns pelos outros.
As dores em vez de passar até aumentaram, vou ver se durmo. Quem sabe assim melhora? Especialmente uma pancada bem dada na minha cabeça que não para de doer.
Mas o sono tão almejado não chega fácil, não, dúvidas começam a surgir dentro de minha cabeça, pensamentos com coisas que há  muito já não me preocupava, agora estão a fluir nem sei de onde. Preciso dormir e o meu amigo sono não vem. Resolveu me abandonar também. Quem quer ser companheiro de um ninguém como eu? Nem o sono.
Estou com receio de sair da praça para passear e me encontrar de novo com os vândalos. Não que tenha medo deles. Até poderia surrá-los se quisesse, mas com certeza são filhinhos de papai e, no final as contas, acaba sobrando para mim.
Demorou, mas o amigo sono veio e me levou com ele, já não era sem tempo, vamos aguardar os finais.
O sono é agitado e trás muitos horrores, figuras fantasmagóricas aparecem de todos os lados. Personagens da cidade se misturam com pessoas desconhecidas. Eu mesmo sou um desconhecido, não sei se sou eu, mas acho que sim. Ecos de um passado remoto parecem aflorar sem face, nem história, não tem linha do tempo, se misturam num fuzuê de confusões e um mar de perturbações...
Não quero mais dormir, tento acordar, mas não consigo... a confusão... a agitação, nem sei dizer o que me mantém preso.
Os jovens que me agrediram estão por todos os lados, junto com eles, apareceram outros que já me ofenderam, me xingavam, me mandavam embora de sua bela cidade  e eu não conseguia acordar. Mas também havia pessoas me ajudando, me defendendo, mas eu não era mendigo, eu estava bem vestido, por que então queriam que eu fosse, por que me agredir? Eu não sou um mendigo.
E eu acordei, a noite tinha passado, mas o grito continuou em meus lábios. Eu não sou um mendigo.
Eu não sou um mendigo. E esta frase começou a me aturdir, me envolver, minha cabeça entrou em parafuso. Eu não sou um mendigo. Mas eu sou “O Mendigo” mas eu não sou um mendigo. Minha cabeça dói cada vez mais...
Comecei a olhar para mim mesmo, minhas roupas, minto, meus trapos em frangalhos, caindo aos pedaços, que mal e mal encobriam meu corpo sujo. Dolorido, ainda muito mais que no dia anterior. Me levanto, e olho  ao meu redor, e... as lembranças lutam, as falhas lutam, as dores lutam, onde estou. As duvidas só aumentaram, agora apareceu outra constante na equação, o medo, eu que nunca tinha medo de nada, agora estava com medo. Que medo um mendigo pode ter, não tenho nada a perder. Nada de meu, nada...
Será?
Quem sou eu? Ou melhor, quem eu era?
Alguma coisa mudou.
Eu não sou um mendigo.
Então quem sou eu?












II
“Tomada de Decisões!”

É mais fácil falar que fazer.
Complicou.
Estou com fome.
Estou com nojo de procurar comida nas latas de lixo. Mas algo parece que me força a ir.
Uma luta interior, uma garra na garganta que em arrasta e me leva aos lixeiros.
Tento pelo menos procurar algo de menos indigno. Um lixo melhor.
As pessoas passam e viram o rosto para outro lado. Não podem conviver com a miséria. Mas não ajudam.
Também minhas roupas estão me incomodando. Por quê? São as mesmas de anos? Nunca me preocuparam? Nunca liguei para o que diziam sobre mim e agora isto. Vergonha de minhas roupas.
Consigo enganar o estomago e prossigo em uma nova batalha. Vou me lavar no chafariz e depois tentar arrumar roupas.
As coisas estão tomando um rumo interessante.
La na praça, nos domingos eu fico ouvindo ao longe canções de louvor, que vem da igreja do menino que estava me chutando, é talvez por isso que eu nunca quis sair dali, agora essas canções começam a me visitar com uma força redobrada.
Estou confuso.
Estou com medo.
Estou com vergonha.
Estou ...
Estou mas ainda não sei quem sou.
Cheguei a fonte da praça e vou me lavar. Me assusto com o que vejo. Os meninos fizeram um grande estrago, ainda há sangue coagulado apesar de eu já ter me lavado antes. Mas não é isto que me assusta. É o mendigo.
Não sei como pude viver todo este tempo desta maneira. E nem sei o que fazer agora. Como mudar isto.
De novo a mesma garra sufocando minha garganta. Afunda minha cabeça na fonte e não quer que eu a tire mais. O ar começa a faltar.
Uma voz dizendo que é melhor morrer do que viver deste modo. E continuava a falar constantemente que uma criatura como eu não merecia viver entre seres normais. Que eu nunca deixaria de ser um mendigo. Que eu não merecia viver. Que eu era um nada...
Eu comecei a aceitar o que as vozes diziam. A querer morrer. A acabar com meu sofrimento. Comecei a querer morrer.
Foi quando uma pessoa me agarrou e me puxou para fora da fonte.
Me cobriu de perguntas, se eu tinha escorregado, se estava bêbado já aquela hora do dia, etc. etc..
Não queria conversar com ninguém. Estava com vergonha de mim mesmo, de meus trapos, minha aparência, minha situação. Estava com vergonha do mendigo.
Mas para ele parar de falar, respondi.
Incrível, eu que era só paciência e ficava horas ouvindo os velhinhos, estava impaciente com alguém que acabará de salvar minha vida.
Disse que perdi o equilíbrio, menti.       
 Ele já ia a se retirar, mas, não sei porque razão, pedi que esperasse, eu precisava de algumas respostas, e de algum lugar teriam de vir.
ü  Você me conhece? Perguntei.
ü  Sim, sempre te vi por aqui. Por quê? Disse o desconhecido.
Respondeu-me com outra pergunta.
ü  É que hoje acordei todo confuso, e estou atrás de algumas informações. Algo que me elucide umas sombras.
ü  Acordei com nojo de comer restos. De me vestir com trapos. E até de minha aparência. Pirei de vez.
Ao que o ilustre desconhecido me disse que alguma coisa séria devia ter acontecido comigo, ao que lhe relatei minha experiência da noite anterior e as conseqüências que resultaram no meu sono. Dos sonhos que tive...
Ficamos conversando e ele me indagava cada vez mais. Eu é que queria respostas e ele que ficava perguntando.
Até que em certa etapa da conversa começou a me informar sobre tudo que eu queria saber.
ü    Estamos na cidade de Fundo do Poço. Mas isto você já sabe.
ü    Não sei, não. Repliquei. Parece que cheguei aqui hoje mas sei que estou aqui a bastante tempo.
ü    É verdade. Me lembro de você aqui desde minha adolescência. Meu nome é Marcos e o seu? Quis saber o desconhecido, agora não mais desconhecido.
ü    Não sei, até ontem era “O Mendigo”, hoje, já não consigo me chamar assim.
ü    Mas se a situação atual lhe incomoda então é porque você pode mudá-la. Tenho algumas roupas usadas em casa que iam para o bazar da igreja onde sou membro, temos o mesmo tamanho e elas servirão em você. Quer?
ü    Sim. Claro, não só quero, mas preciso urgentemente. Me faria esse favor?
ü    Sim. Como ainda esta bem cedo, tenho certeza que ainda temos café da manha em casa. Vou tentar te ajudar no que eu puder, se aceitar.
ü    Aceito sim, estou até envergonhado de estar dando tanto trabalho. Mas é que realmente preciso de um ponto de partida.
ü    Venha comigo, minha casa não é perto mas também não é tão longe, da para ir andando. Eu estava fazendo minha caminhada diária na praça, e já ia me retirar quando notei que algo estava errado com você na fonte. Explica Marcos
ü    Preciso lhe dizer algo. Eu não escorreguei e perdi o equilíbrio, mas algo dentro de mim me mantinha preso dentro da fonte, e eu já tinha desistido de lutar. Confessei para melhorar o inicio de nosso relacionamento.
ü    Entendo, vou pensar sobre o caso e com certeza encontraremos o motivo disso e outras coisas. E o mais importante, quem é você, de onde veio e por que esta aqui?
ü    Ficarei eternamente grato pela ajuda. Me desculpe a mentira inicial, é que queria que fosse embora logo, ainda bem que não foi. Preciso de um amigo, não tenho ninguém.
ü    Já tem um. Certamente terá outro no pastor de minha igreja. Mas preciso lhe alertar sobre algo. Vou ter um pouco de trabalho para fazê-lo entrar em casa, minha esposa vai estranhar e reclamar e não é sem razão. Explicou Marcos.
ü    Eu compreendo. E mais. Não a censuro, eu mesmo estou com nojo de mim.
ü    Não é necessário tanto. Consigo explicar para ela o motivo e certamente ela entenderá. Só que vou ter de conversar primeiro. Vamos indo, no caminho você me conta mais sobre o que se lembra. Falou marcos, já caminhando.
ü    Fui com ele. Rapidamente senti as conseqüências das pancadas que levei e ele percebeu.
ü    Quer ir ao hospital? Perguntou Marcos.
ü    Não, estou bem, só que teremos de ir num compasso mais lento de caminhada. Respondi, e fomos.
No caminho não escapamos do olhar interrogativo das pessoas. Todos me conheciam. Nunca me viram sair das cercanias da praça. Nunca andava com ninguém. Ninguém nunca andaria ao meu lado, não em sã consciência. Muitos conheciam Marcos na pequena cidade. Professor muito apreciado e um líder na comunidade. Alguns interrogavam com o olhar ao professor mas este permanecia impassível, sorria para todos, cumprimentava a todos, e seguia seu caminho.
Comecei a sentir uma amizade interna aumentando mas não alimentava esperanças de realmente conseguir ajuda pois uma coisa eu havia aprendido, tudo tem um preço, e todos queriam algo de você. E eu não tinha nada a oferecer a ninguém.
Com o tempo eu descobriria que no caso de Marcos eu estava errado, ele realmente se interessou pelo meu problema e já articulava um modo de me ajudar a resolve-lo. Mas, isto era para depois, agora, era a limpeza. Limpeza do corpo, do cabelo, das roupas, do sapato, da aparencia física primeiro. Depois trataríamos da aparência interna. Da alma e do espírito.
Ele também tinha planos para a noite, eu viria, a saber, depois. Pretendia me levar a sua igreja para conhecer seu pastor. Mas uma coisa de cada vez, este desespero vou contar na hora certa. Antes a esposa de Marcos.
Quando chegamos em sua residência ele pediu para que eu ficasse um pouco lá fora até conversar com sua esposa que já havia me informado se chamar Stella. Entrou e demorou bastante tempo, na verdade de onde eu estava podia ouvi-los conversando, ela ficou tensa, achou que ele havia endoidado, enlouquecido mesmo. Que uma coisa era ajudar um mendigo dando-lhe um prato de comida na varanda, um quilo de alimento, uma roupa velha, mas trazê-lo para tomar banho e se alimentar em casa, era fora de questão. Os argumentos continuaram de lado a lado, e marcos conseguiu convencê-la mas eu usaria o banheiro da casa que estava vazia nos fundos para ser alugada e as vezes servia de casa para empregada ou hospedes em épocas de férias de família.
Em meu coração tive o desejo de ir embora, mas quem mais me ajudaria desta forma?
Marcos me chamou, atendi como se não soubesse de nada, e explicou o que eu já sabia. Stella não saiu para me conhecer, mesmo porque ela já me conhecia, toda a cidade me conhecia, o mendigo da praça.
Me encaminhou para a casa do fundo, mas não sem antes prender os cães. Abriu a casa e me mostrou o banheiro. Trazia um toalha de banho na mão, não era nova, mas era algo que mudava em muito meu espírito na hora, eu tomaria um banho quente e me secaria em uma toalha de banho. Um grande avanço para minha nova vida.
Trazia também roupas e as estendeu na cama e me avisou que após o banho era para eu as experimentar. E que levaria as minhas para queimar.
Essa palavra me assustou. Parecia que estaria queimando junto com as roupas velhas, na verdade aqueles trapos imundos e fedidos, todo o meu passado.
Passado? Haveria um?
ü    Esteja totalmente a vontade. Vou me retirar para que não se sinta constrangido. Gaste o tempo que for necessário. Volto logo.
ü    Estou me sentindo um pouco confuso, mas sei que é necessário dar um basta nesta situação. Vou tirar a roupa no banheiro e ponho em um saco de lixo. E jogo ai fora para que as leve para a lixeira. Grato.
ü    Estarei esperando.
Quando entrei no banheiro parecia que estava em outro mundo, não quis olhar no espelho para que não acontecesse a mesma coisa que na fonte. Tirei meus trapos e achei um saco de lixo onde os coloquei e atirei-o para fora do banheiro. Ouvi quando Marcos se afastou com ele e fechou a porta de fora. Me senti só neste novo mundo. Mas encarei. Fui até o chuveiro o liguei e fiquei alguns minutos só olhando a água cair, estava com vontade de chorar mas sem saber o motivo.
Venci a resistência e entrei na água, deixei-a cair pelo meu corpo imundo durante algum tempo, minha mente girava e girava de novo. Não tinha idéia do que estava acontecendo.
A recordação dos garotos que me espancaram na noite passada, dos anos de desprezo, dos rostos assustado e dos piedosos, voltavam constantemente.
Demorei muito tempo naquele banho. Me esfregava com vontade de arrancar aquela pele imunda, o mau cheiro exalava, por mais que eu tentasse, não saia o cheiro impregnado pelos anos de imundície. Eu definitivamente fedia. O pior era com meus cabelos. Desliguei o chuveiro e fiquei esfregando os cabelos muito tempo. Mas eram um ninho de tudo e qualquer coisa que nem sei dizer o que, mas finalmente achei que tinha conseguido algo. Quando definitivamente desliguei o chuveiro e resolvi sair do box, olhei o espelho e enfrentei. Não foi fácil. Peguei um pente e tentei pentear os cabelos e não consegui. Os amarrei num tipo de rabo de cavalo e ficou aceitável. A barba já grande ficaria para depois, não podia abusar da hospitalidade de Marcos.
Achei um vidro de desodorante e passei queimou igual fel, encontrei um perfume e arrisquei um pouco. E estava pronto para sair do banheiro para a realidade da vida dura e crua.
Marcos ainda não voltara, fiquei até mais a vontade para olhar as roupas.
Tinha até mesmo, pasmem, cuecas limpas, escolhi uma e vesti. Escolhi uma calça Jens Lavada a Pedra, um Stone-Washed, e serviu até bem, mas precisaria de um cinto, e tinha um lá.
Peguei uma camisa de mangas compridas de finas listras verticais com cores entre azul claro e um cinza também claro.  
Também era um pouco maior que meu número mas vestia muito bem. Eu podia ver que não era roupa velha que iria para o bazar coisíssima nenhuma, Marcos estava realmente tentando me ajudar a melhorar minha auto estima.
Encontrei no guarda-roupas um espelho e de novo me enfrentei. Não reconheci o homem a minha frente. Homem. Faz muitos anos que não tinha coragem de me definir desta maneira. Homem. Mas eu era um, sim. E agora as coisas estavam ainda pior. Eu era um homem que não era ninguém.
     
ü    Com licença. Gritou Marcos se fazendo anunciar. Estou atrapalhando?
ü    Não. Respondi. De maneira alguma. É até bom eu ter com quem divagar. Que achou do resultado?
ü    Bem, nem da para comparar. Realmente da para ver que você tem uma origem. Sabe se arrumar com certa elegância. Mas ainda precisamos dar um jeito nesse cabelo.
ü    Esta horrível, não é mesmo. Disse eu um pouco constrangido.
ü    Mas não se preocupe. Já falei com um amigo cabeleireiro. Expliquei a situação e ele prometeu ajudar sem restrições. Disse Marcos a titulo de informação. Quando estiver pronto para a guerra iremos lá.
ü    Guerra? Que quer dizer? Como assim? Perguntei estarrecido.
ü     É só modo de falar, não esquente a cabeça. Mas me diga ai uma coisa. Como esta se sentindo? Algo novo surgiu em sua memória?
ü    Ainda nada. Mas já percebo muitas matizes surgindo e não vai demorar a clarear as coisas em minha mente, é só dar tempo ao tempo.
ü    Pronto para o cabeleireiro? Perguntou Marcos.
ü    Sim, vamos. Respondi. Mas não tenho como pagar um cabeleireiro.
ü    Não se preocupe com isto. Vamos.     














  III
“UM NOVO COMEÇO!”

O cabeleireiro estava avisado mas não o suficiente para evitar um susto ao me ver. Ele não sabia quem eu era, pelo menos não me reconheceu. Mas pude ver pela sua expressão do rosto que jamais tinha trabalhado com alguém com este aspecto. Eu estava bem vestido mas nem por isso minha aparência exterior era 100%, muito pelo contrario. As marcas do passado cravadas em minha face me precediam. E diziam que ali estava alguém fora do comum.
Mas ele se esforçou para não transparecer seu susto e logo se pos a trabalhar. Lavou de novo meus cabelos e perguntou que estilo eu desejava. Respondi que precisava de um corte baixo mas que me permitisse penteá-lo para trás. Ele fez o corte o melhor que pode. Eu podia ver as mechas de cabelo caindo e ficava pensando no resultado. Muita tristeza invadia minha alma neste momento. Se realmente valia a pena tudo isto, se esta viagem me levaria a algum lugar. Mas só o tempo é que poderia me responder então parei de divagar.
Para ser educado tentou puxar assunto, mas eu estava introspécto. Permaneci calado a maior parte do tempo. Marcos as vezes vinha em meu socorro para quebrar o gelo.
O cabeleireiro, que por sinal se chamava Ronaldo, como soube logo depois entre as conversas dele com Marcos, me disse acreditar me conhecer de algum lugar mas não se lembrava de onde.  Resolvi manter sigilo por enquanto, se Marcos não disse, eu também não diria ainda nada. Mas como eu estava gostando do modo de Ronaldo eu decidi que assim que houvesse uma oportunidade eu desvendaria minha identidade. Inclusive para mim mesmo.
Ao terminar o corte, Ronaldo se pôs a fazer minha barba. Viu os hematomas da surra que eu havia levado na noite anterior. Me inquiriu e desta vez respondi.
ü    Tive o desprazer de ter um encontro com uma gangue de fedelhos e este foi o trágico resultado. Esta bom agora mas esteve bem pior.
ü    A policia não faz nada para acabar com essas gangs de trombadinhas que estão se espalhando igual praga pela cidade. Teve sorte de não ter morrido. Te roubaram algo? Perguntou Ronaldo.
ü    Não, não havia nada para roubarem. Respondi.
ü    Ainda bem. Marcos estava por perto? Ele viu? Perguntou.
ü    Não. Eu não estava lá quando aconteceu. Mas não foi de todo mal. Resultou de eu ter conhecido o nosso amigo ai. Eu o encontrei bem machucado mas já no dia seguinte. E a partir daí surgiu uma boa amizade. Depois te conto os detalhes.
ü    Creio que Deus tem um propósito em todas as coisas. Afirmou Ronaldo. Ao que Marcos concordou.
ü    O Ronaldo é da minha igreja. Explicou Marcos.
ü    Você vai a alguma igreja? Me inquiriu Ronaldo.
ü    Não. Mas vou visitar a igreja de vocês assim que houver uma oportunidade. Afirmei.
ü    Não por isso. Hoje é dia de culto na igreja e o pastor estará lá. Vá conosco. Disse Ronaldo e teve o apoio de Marcos.
ü    Certo. Iremos lá sim, a propósito, o cabelo ficou ótimo. Disse a titulo de agradecimento.
ü    Espere até ver com a barba feita. - Concorda Marcos que a mudança foi radical?
ü    Sim, concordo. Mas quem tem de aprovar não sou eu é o nosso amigo ai. Disse Marcos.
ü    Tenho certeza de que ficou ótimo sim. Mas quando terminar poderei olhar melhor. Confirmei.
Estava ansioso para ver o resultado. Qual era o rosto que eu veria  surgir naquele espelho. Que segredos a vida me destinava.
Houve um tempo em que ficaram em silencio. E logo mais Ronaldo deu o trabalho por terminado.
ü    Confesso que deu trabalho. O cabelo estava bem embaraçado e parece que quem te atacou ontem te esfregou na grama, tinha muitos restos de grama entrelaçados em seus cabelos, mas dei conta. E a barba não estava menos difícil, mas raspar é sempre mais fácil. Eis ai o resultado final. Disse Ronaldo ao termino.
Sentei numa posição ereta e pude me ver melhor. Não sabia nada a respeito do homem que estava a minha frente no espelho. O enigma era o mesmo. Quem eu era e de onde vim. Ronaldo ficou esperando uma posição de minha parte e não deixava escapar a curiosidade sobre quem era seu cliente. Olhava para Marcos mas este também não lhe tirava do escuro.
ü    Então? Gostou? Perguntou enfim.
ü    Sim, deve estar achando estranho eu estar olhando para o espelho por tanto tempo. Mas pode ver pelo tamanho dos cabelos anteriores que não é um habito minha vinda ao salão.
ü    Vi, sim. Disse e riu Ronaldo. Mas muita gente gosta de usar cabelos compridos e longas barbas. Mas percebo que não é seu caso. Mas não precisa dizer nada se não quiser.
ü    Agradeço, mas é que não sei realmente o que dizer. Vou te confessar algo. Eu nasci hoje de manha, não lembro uma virgula de meu passado a não ser a surra que levei que serviu de abalo emocional que me despertou para uma nova realidade. E algumas nuances espalhadas de minha longa estadia na praça da cidade. Resolvi abrir o jogo.
ü    Como assim, longa estadia na praça da cidade? Não entendi. Pode ser mais claro e especifico? Disse Ronaldo.
ü    Este é o mendigo que morava na praça da cidade, Ronaldo. Ontem ele foi severamente agredido e algo mudou dentro de sua mente trazendo-o a realidade, e hoje ao despertar entrou numa espécie de realidade intermediaria, entre seu passado e a vida que levou na praça durante todos estes anos.
Me socorreu Marcos.
ü    Meu Deus. Que loucura, era por isso que eu acreditava que o conhecia. Ele é o mendigo que sempre vi na praça. Me amarrota que estou passado. Brincou Ronaldo. – E agora que vão fazer?
ü    Hoje vou apresentá-lo ao pastor. Ele se lembra de hinos cantados as noites na igreja que chegavam até na praça e ele os ficava ouvindo. Vamos ver se ajudam a buscar algo em sua memória. Disse Marcos.
ü    Bem, veremos, seu eu puder fazer mais alguma coisa por vocês, é só dizer. Mas de qualquer forma estarei lá a noite para ver o resultado.
ü    Mas mantenha sigilo por enquanto. Falou?
ü    Com certeza. Afirmou Ronaldo. – Se bem que seria a sensação do salão este babado mas manterei sigilo, só hoje. Disse e riu.
ü    Grato.
Marcos agradeceu e se levantou para sair.
ü    Obrigado também. Um dia retribuirei este favor. Também agradeci me despedindo. E sai com Marcos.
ü    Ele será discreto e só vai espalhar a noticia amanhã. Mas depois disso você vai virar sensação na cidade. Seria bom conseguirmos te esconder até a febre passar.
ü    Que febre? Eu não estou doente.
ü    É só modo de expressão. Estas frases são muito usadas entendeu.
ü    Mais ou menos. Mas tudo bem. Respondi e fiquei na minha.
ü    Agora é hora da onça beber água. Vou te levar em casa. Para você conhecer Stella. Espero que ela esteja mais amena agora.
ü    Não se preocupe comigo, já fez demais por mim. Não vá se prejudicar por minha causa.            
ü    Eu sei o que estou fazendo, Stella vai entender mais cedo ou mais tarde.
Seria mais tarde então porque Stella não estava em casa, havia saído para ir às compras, e depois ia passar em casa de sua mãe, dizia um bilhete anexo a geladeira.
Marcos me conduziu ate a edícula e falou para ficar lá e descansar.
E realmente eu precisava. Minha cabeça estava dando voltas, muitas novidades para uma manhã só. Marcos me disse que voltaria depois para me trazer o almoço. Pois já era quase 12:00Hs e eu estava realmente faminto.
Realmente ele trouxe o almoço, era uma mistura de tudo que tinha em casa mas para mim era um banquete, também trouxe suco de fruta, disse que era açaí com acerola, deixou tudo na mesa e se foi. Não me fiz de rogado. Comi tudo sem me preocupar com boas maneiras, pois eu não tinha mesmo. Eram as sobras do dia anterior, já que Stella ainda não havia voltado das compras e da visita a mãe. Mas estava uma delicia, e fiquei agradecido por estar vivendo aquele momento, só não sabia por quanto tempo ainda, mas seja bom enquanto dure.
Comi e dormi. Dormi muito e sonhei muito. Sonhos estranhos com muitos homens e mulheres sem rosto, crianças também, lugares estranhos, situações inusitadas que para mim não diziam nada. Quem sabe o passado tentando abrir passagem.
     







  IV
“SONHOS!”
Um sonho começou a me incomodar.
Nele via um homem estranho segurando um garotinho e se encaminhava para um lugar estranho cheio de pessoas estranhas. Danças ritualísticas. Uma linguagem desconhecida a mim. Vestes esquisitas. Tudo assustava ao garotinho. De repente o homem leva o garoto a um velho homem fumando um grande cachimbo que fedia muito, o garoto não queria ir mas foi puxado pela mão. O velho o pegou e disse algumas coisas esquisitas, mandou que raspassem sua cabeça, pegou uma galinha já previamente escolhida, arrancou sua cabeça e derramou o sangue sobre a cabeça raspada do garoto, disse mais algumas coisas e o garoto desmaiou entorpecido de medo mas não perdeu completamente os sentidos, via e ouvia tudo ao redor, era horrível, pois não podia se mexer, nem um dedo sequer. O pai ria muito da situação do filho. Parecia estar orgulhoso do filho, de repente também começou a girar, girar e falar numa língua desconhecida. Ao termino daquele ritual esquisito, o pai tirou o talão de cheques e escreveu ali uma soma alta e entregou ao homem velho. E foi-se embora orgulhoso, arrastando o menino.
A partir dali as noites do garoto eram angustiantes, cheias de sonhos de filmes de terror.
Acordei assustado e suado. Na parede tinha um relógio onde vi que dormira a tarde toda sem que ninguém me incomodasse.
Lembrei do sonho e este veio a minha mente com toda força. Vozes estranhas gritaram dentro de mim.
Elas me diziam que eu não tinha como escapar. Que lhe pertencia. Que meu pai tinha me dado a “ele” em troca de sucesso nos negócios, que sua empresa progredisse, crescesse e desse muito dinheiro. E que “ele” tinha cumprido sua parte no trato e por isso eu lhe pertencia, que não adiantava fugir, que me destruiria, nunca permitiria que eu me fosse. Não queria somente minha morte, queria que eu sofresse, vagasse pela vida como andarilho, vivendo a morte diariamente, morte após morte.
Este sonho me perseguiria por muitos dias, como viria a descobrir depois,  e as imagens começaram a ganhar formas cada vez piores.  Rituais cada vez mais macabros. Sacrifícios de animais. E até de pessoas. Mulheres grávidas. Crianças, bebês, garotas, uma loucura sem limites, de onde vinha aquilo, meu cérebro se fechava para me conceder informações, de onde eu tinha convivido com esses cenários dantescos? Será que eram apenas sonhos? Ou teriam algo de verdade? Fariam parte de meu passado? Que passado era este?
E as vozes estranhas cada vez mais agressivas. Mas vamos voltar ao “meu quarto” onde Marcos acabou de bater para me acordar. Este dia ainda não havia acabado, e traria coisas horrendas e assustadoras. Este dia que foi escolhido para uma completa mudança em minha triste vida, este dia continuaria noite adentro, e eu nem podia esperar pelo que viria. A noite ainda teria um encontro com o “pastor”, e para tristeza deste, uma nova batalha estaria se iniciando. Espere para ver.
ü  Vamos acordar? Grita Marcos batendo a porta. Já é bem tarde e hoje iremos a igreja.
ü  Sim. Eu já estava acordado. Vou tomar um banho e saio já.
ü  Você esta melhor? Perguntou.
ü  Sim, tive alguns sonhos estranhos mas tudo bem. Já não estou mais com medo de tomar banho, pode esperar aqui mesmo que não demoro. Assim poderemos conversar mais. Respondi e entrei no banheiro.
ü  Sua esposa, Stella, já voltou? Perguntei.
ü  Sim, e esta curiosa sobre tudo que contei para ela, preparou um café e esta nos aguardando, mas ainda esta receosa, é compreensível, até eu estou meio abobalhado com tudo isto. Parece que estive sonhando e que a qualquer hora irei acordar e nada disso aconteceu de fato.
ü  Eu também estou meio estranho, ainda um homem sem passado, sem história, sem vida e cheio de duvidas. Até quando este pesadelo ira continuar com estes mistérios?
Sai do chuveiro, me vesti com as mesmas roupas da manhã. E encarei Marcos de frente e perguntei:
ü  Será que vale a pena? Será que não é melhor deixar tudo com antes? Estou apavorado. Que me trará o amanhã?
ü  Não sei. Respondeu. Mas uma coisa sei, não há como as cosas voltarem a ser como antes, porque você mudou. A surra que te deram mexeu algo dentro de você, mexeu com sua cabeça e trouxe a tona ecos do passado que estão soando em sua mente e não vão parar até você descobrir tudo sobre você mesmo. Vamos Stella esta aguardando.
ü  Não a façamos esperar. Disse e saímos da edícula para a casa principal.
Marcos entrou e me fez entrar, encontramos Stella na sala de estar e esta se levantou do sofá onde estava assentada. Uma mulher como se escreve com todas as letras. De beleza sem igual, o premio que qualquer homem pede que Deus lhe reserve e que mesmo num sonho é difícil realizar, mas Marcos alcançou. E pelo pouco que ainda o conhecia, ele merecia.
Cumprimentou-me educadamente, mas receosa.
ü  Seja bem vindo. Disse Stella. 
Ao que respondi com o máximo de esmero que ainda me lembrava sobre comportamento e respeito. Pois na rua se você quer ganhar algo para comer tem de ser gentil ao extremo. Ate mesmo bajulador.
ü  O professor Marcos não me havia prevenido que me depararia com alguém de tamanha beleza. Parabéns a ele e a senhora. Agradeço por tudo que estão fazendo por mim. Um desconhecido.
ü  Assim fico encabulada. Não exagere. Mas não estamos fazendo nada mais que nossa obrigação de cristãos.
ü  Esta se sentindo bem? Não lhe faltou nada?  Perguntou.
ü  Não. De modo algum. Esta tudo mais que perfeito. Nunca me senti tão bem tratado em minha vida de um dia e uma noite. Pois é tudo que tenho na memória a não ser sonhos e pesadelos.
ü  Aqui esta entre amigos. Interveio Marcos ao que Stella acrescentou.
ü  Faremos o que estiver ao nosso alcance para ajudá-lo a recuperar seu passado, ou melhor, sua memória. Ao que Marcos concordou prontamente.
ü  Não tenho como agradecer e nem como retribuir tamanha generosidade de vocês. Respondi.
ü  Não posso deixar de notar a mudança estrema que foi realizada em você. Não é só corte de cabelos ou roupas, mas a mudança esta dentro de ti, já tinha te visto na praça e sei do que estou falando. Há algo diferente.
ü  Não sei te dizer, mas tudo esta diferente. Acrescentei ao que Stella estava dizendo sem cortá-la. Mas confesso que estou com medo, antes não tinha nada a perder, se bem que ainda não tenho, mas as perspectivas estão mudando e eu estou me sentindo estranho.
ü  Não se preocupe, na igreja conhecerá muitas pessoas dispostas a ajudá-lo, você verá. Disse Stella e Marcos juntos.
ü  Espero. Mas eu preciso dizer-lhes algo antes. Hoje a tarde tive alguns sonhos muito estranhos.
E passei a narrar um pouco de meu sonho mais assustador. E terminei:
ü  E quando acordei passei a ouvir vozes, uma era muito assustadora e possessiva. Me intimidava dizendo que eu lhe pertencia que tinha sido entregue por meu pai em um pacto, um acordo financeiro, foi horrível. Disse e esperei o resultado da revelação. Os dois se olharam durante algum tempo e foi Stella que quebrou o silencio.
ü  Já vimos muito sobre isto. Já conhecemos vários casos de pactos com o demônio. Consagração ao diabo, etc, o triste de sua história, e, que se repete na vida de muitas outras pessoas, é que foi seu próprio pai que lhe entregou ao inimigo.
ü  Mas eu nem sei se o garoto sou eu mesmo. Disse e completei. E se for só um sonho?
ü  É você sim, com toda certeza, as vozes que você houve comprovam isto. Mas não se preocupe, hoje a pagina vai ser virada e você vai iniciar uma nova vida espere para ver. Só não vou fazer o apelo agora para você ter um encontro com Cristo por um motivo especial. Não sei se eu e Marcos estamos preparados para enfrentar o que acredito estar escondido ai dentro. Disse Stella.
ü  Só de ouvir este Nome, dentro de mim deu um nó. Uma revolta em meu estomago. Eu senti algo forte tentando me fazer sair daqui correndo, me atacando e gritando dentro de mim, mas eu vou resistir o quanto puder. Mas ta difícil.
ü  Eu entendo. Disse Marcos. A luta dentro de você deve ser terrível, mas você sairá vencedor. Fique calmo.
ü  Já te disse que temos uma filhinha? Disse Stella. Vou trazê-la aqui. Ou melhor, vamos a mesa da cozinha lanchar, café com leite ou suco, e torradas com requeijão. E você a conhecerá. Disse Stella.
Ao que nos levantamos e fomos ao cômodo adjacente. Stella chamou a menina que estava no quarto dela vendo TV. Esta, quando me viu, me encarou alguns minutos seriamente e disse:
ü  É o Digo papai. Ele veio nos visitar.
ü  Digo? Como assim? Disse Marcos.
ü  O Digo da praça. Eu me lembro dele, de quando íamos passear na praça e andar de bicicleta. Ela disse em sua linguagem infantil, mas muito bem organizada para sua idade.
ü  “Digo”. Bem, é um nome, e ele precisa de um nome. Então agora é o Digo, tudo bem para você? Perguntou-me.
ü  Sim, claro. Preciso de uma forma de apresentação melhor do que “Mendigo da Praça”. Disse e ri da situação.
ü  Certo. Disse Stella. - Agora  você é o Digo. E riu também.
E fomos tomar nosso lanche. Já bem mais descontraídos. O susto inicial tinha passado.
A tarde prossegue em nossa conversa e muita coisa é dita e planejada.
Chega o anoitecer.    
                       
        





         
      






  V
“ A IGREJA, A BATALHA!”
Não posso dizer que estava tranquilo. Minha segunda aparição em publico desde o meu despertar para uma nova vida.
O medo das visões e dos sonhos que tive, das vozes que ouvi em meu inconsciente que quase me levaram a loucura. Aquela voz em especial declarando propriedade e direitos sobre mim. O que significaria tudo isto afinal? Quem sou eu na verdade? Por que esta batalha tão grande pela minha vida? Por que não posso morrer em paz e descansar? Seria tão mais fácil para todos.
Por que os pais daqueles garotos não lhes deram educação suficiente para respeitarem os outros? Dessa forma teriam me deixado em paz e eu estaria ainda em minha vidinha tranquila de mendigo. Mas agora...
Marcos bateu a porta e disse que Stella estava se arrumando e quase pronta para irmos a igreja. Que isto significava que ainda levaria uma hora para sairmos. Mas em seu intimo sabia que valeria a pena cada segundo que ela gastasse se arrumando pois quando saíssem pelo portão todos sempre ficavam olhando de olhos arregalados a beleza de sua esposa. Stella deixava os homens de boca aberta e as mulheres invejosas de tanta beleza. Porem era uma beleza simples, que dispensava exageros de maquiagens e roupas, Stella era bela e pronto, não se podia fazer nada a respeito.
Chegou a hora tão temida. Stella chamou e Marcos se levantou de onde estávamos conversando e foi logo dizendo:
ü  Agora não da mais para voltar atrás, vamos Digo, coragem. Não pode ser tão ruim assim.
ü  É que não é contigo a historia senão estaria tremendo que nem eu. Falei e me levantei dirigindo-me a porta.
ü  Estaremos lá com você para o que der e vier. Disse Marcos saindo na frente.
Stella estava na varanda nos esperando. Estava de arrepiar os cabelos mas não deixou de comentar.
ü  Não tive tempo de me arrumar direito mas da para ir. Vamos?
ü  Se não teve tempo e esta desse modo se tivesse iria causar acidentes na rua. Disse Marcos gracejando em forma de elogio. Ao que pude acrescentar.
ü  A senhora não precisa se arrumar para ficar linda, mas quando se arruma é como o professor diz, de tirar o fôlego. Ao que todos rimos.
ü  Exagerados. Mas aceito os elogios. Afinal uma mulher vive deles. E riu.
O caminho que nos levava a igreja, que não era tão longe, o fizemos a pé. Assim pelo menos eu podia ir me acostumando com a idéia. A cada passo que pesava uma tonelada, eu notava os olhares curiosos dos transeuntes. Afinal eu era novo na cidade, é o que muitos acreditavam.
O professor e Stella cumprimentavam  a todos e por todos eram cumprimentados. Ao longe comecei a ver o topo da igreja e uma inquietação ia tomando conta de mim.
Marcos percebeu e tentou mudar o rumo de meus pensamentos. Junto com Stella ia perguntando se avia algo de novo, mais alguma lembrança tinha aflorado as margens do lago lodoso que era minha mente. Mas eu a tudo respondia que ainda nada. Era como eu ainda me sentia, um nada. Mas sabia que ao entrar naquela igreja algo ia mudar. As vozes começaram a martelas em meu celebro. Tentavam me fazer dar meia volta e correr em outro rumo. Não sabiam que eu ia a igreja, mas sabiam que algo de diferente estava acontecendo. E queriam a todo custo evitar isto. Não queriam perder o controle sobre minha morte.  Porque eu na verdade não tinha uma vida, eu tinha uma morte diária, uma situação de desgraça e desespero que me atiravam ao fundo  de um pântano lodozo e fétido, cheio de animais de rapina e repteis se transavam em minha mente tentando me afundar cada vez mais num tumulo de carne e osso que era o meu corpo morto vivo, como um zumbi estive vagando por, como vim a saber depois, mais de dez anos. A morte em vida...
ü  Tudo bem? Pergunta Marcos ao notar meu mutismo.
Ao mesmo tempo param para que eu pudesse me recuperar.

ü  Se quiser se sentar em algum lugar para descansar, tudo bem. Disse Stella. Já estamos perto da igreja.   
ü  Sei que dentro de você esta havendo grandes batalhas espirituais, mas tenha confiança, o Senhor esta contigo e vai te ajudar, neste mesmo instante esta disponibilizando uma legião de anjos guerreiros a estarem ao seu lado para te ajudar, mas eles ainda não podem interferir em nada, pois falta acontecer algo ainda. No momento você só pode confiar em você mesmo e em nós para te ajudar.
ü  Não entendi. Como assim não podem me ajudar? Sempre pensei que nada pudesse deter um anjo, quanto mais vários deles. Não compreendo. 
ü  Isto só é verdade em parte, os demônios que te acompanham tem domínio sobre tua vida, apesar deles não poderem saber o que você pensa, eles podem acompanhar  a valsa dos acontecimentos, e sabem que algo diferente esta para acontecer. Já sabem que parte de sua memória esta aflorando lentamente, e já estão armando para que outros servos deles tentem impedir esses acontecimentos, não querem te perder. Veja bem, estamos já bem perto da igreja e você já começa a notar a batalha que se forma em seu interior. Imagine a hora de passar pela porta. Depois ouvir e acompanhar o louvor de adoração a Deus. O mover espiritual que para eles é inaceitável. Você tem de ser forte e deixar que o Espírito Santo te ajude e te guie nestes momentos. Só assim você ira conseguir ficar lá dentro e ser livre de todos estes tormentos. E ainda explicando a tua pergunta, só depois que você tomar uma decisão por Cristo, e mudar o exercito ao qual você pertence, é que os anjos poderão interferir e te ajudar. Eles no momento só podem acompanhar de perto prontos para agir a uma ordem do  General, o Espírito Santo de Deus, falta pouco e você poderá ter um encontro com Ele.
ü  É algo completamente novo para mim. Confessei, assustado. Mas não vou desistir, já cheguei ate aqui e vou conseguir.
ü  É assim que se fala. Gritou Stella.
E ficou rubra de vergonha pelos olhares que atraiu a si. Todos rimos e Marcos a confortou fazendo o mesmo.      
ü  Pelo menos serviu para quebrar a tensão nervosa do momento. Falei, mas por dentro estava apavorado.
ü  Vejam quem esta chegando, o Ronaldo, ele é nosso amigo pessoal, alem de irmão em Cristo. Diz Stella. Querem que o chame para ajudar.
ü    o conheço. Foi ele quem me cortou o matagal que eu chamava de cabelos e barbas. Mas não se preocupem comigo, já estou mais controlado.
ü  É por isso que o corte ficou tão bom. Ele é o melhor cabeleireiro desta cidade. Mas mesmo que não queira que o chame, ele esta vindo para cá.
Disse, indicando o mesmo.  Ronaldo se aproximou. Cumprimentou-nos.
ü  Ola, boa noite irmãos, tudo bem e em ordem por aqui? Precisam de algo?  Ola amigo vejo que cumpriu sua promessa e veio mesmo.
ü  Ola Ronaldo, boa noite. Disseram a titulo de cumprimento o professor e Stella. Ao que também entrei na conversa.
ü  Sim, boa noite. Não poderia deixar de vir, depois de todo trabalho que dei, pelo menos espero ajudar fazendo a minha parte. Afinal, o maior interessado sou eu mesmo.
ü  Você não deu trabalho nenhum, Digo, é nosso amigo.
Ela não poderia adivinhar metade da luta que iríamos passar ainda esta noite. Não tinham trazido a filhinha deles, Sandra, tinham-na deixado com os avôs, pois ao termino do culto haveria ainda uma reunião de liderança e os dois faziam parte do corpo dirigente da igreja.
Marcos nos apressou dizendo;
ü  O papo esta bom, mas é bom ir em frente, estamos quase na hora.
Ao que meu estomago se revirou novamente.
ü  Vamos sim. Disse e me pus a andar e todos juntos.
ü  Olhe, é o pastor lá na porta, ele recebe os irmãos e visitantes cumprimentando-os um por um na porta, ele é muito amável, é jovem, mas muito experiente e corajoso, a igreja mudou muito desde a sua chegada a cidade para substituir o antigo pastor. Ele também era muito bom amigo, mas não passava disto. Não deixava aigreja andar com as próprias pernas, tentava fazer tudo sozinho e interferia em tudo, até o culto das mulheres ele que dirigia, pode? Disse Stella fingindo espanto.
ü  E a esposa dele? Perguntei.
ü  Ela não fazia literalmente nada, e agora ele se mudou para um sitio e este novo pastor assumiu a igreja. O antigo se chamava Frederico. Sua esposa era a senhora Mirtes e este se chama Pastor Gabriel e sua esposa é a Pastora Margarete guerreiros corajosos e sempre prontos para a luta, o senhor vai gostar deles.
ü  Senhor. Para. Eu me considero o mais novo amigo da lista de amigos de vocês, então sem essa de senhor.
ü  Ta bom, disse e riu da situação. É o habito. Chamo todo mundo de senhor e senhora, nem sei porque estava demorando a te chamar assim. É que parece que te conheço a tanto tempo, e na verdade você chegou em nossas vidas hoje. Pode?  
ü  Na verdade, vocês me conhecem a muitos anos, e psicologicamente, estão acostumados comigo, muitos jovens desta cidade eu vi crescerem correndo e brincando naquela praça.
ü  Eu fui um. Disse Marcos.
ü  Eu não. Estou na cidade a pouco tempo,uns dois anos mais ou menos. Vim para cá para fugir da agitação da cidade grande. E não me arrependo. Cidade pequena, pacata, gente boa, e bons clientes, que mais eu poderia querer? Só falta melhorar a internet que aqui é horrível. Disse Ronaldo, brincando mas dizendo a verdade de seu coração. Como eu soube depois ele vinha da cidade de São Leôncio, cidade grande e próspera onde havia grandes jazidas de minérios e circulava muito dinheiro na cidade, mas a corrupção também, falava alto lá.
ü  Internet? Sei muito pouco a respeito e não entendo como alguém como o senhor pode sentir falta disto. Disse em minha ignorância.
ü  Hoje em dia, a internet é a mola que propulsiona todos os segmentos da sociedade moderna, educação, tecnologias, entretenimentos, comércio, não da para te dizer em poucas palavras o tudo que a internet se transformou em nossos dias. Quase tudo depende dela.    
ü  Existem até igrejas on-line, com culto ao vivo, louvores, escola dominical, pasmem. Completou Marcos. Eu não sei dar minha opinião ainda, estou pensando sobre isto, mas tem quem gosta. E a bíblia nos orienta a pregar o evangelho a tempo e fora de tempo, então que todos façam sua parte.
Nisto chegamos a calcada da igreja. Meu estomago ate doía, mas agüentei firme. Notei ao redor da igreja, que era belíssima, como eu não havia reparado até agora, uma atmosfera estranha, parecia poder ver demônios circulando e tentando me afastar dali, as vozes dentro de mim me ordenando a que fugisse, eu estava confuso, nunca passei por isso  tremia por todo corpo. Já não agia por mim mesmo, os meus novos e únicos amigos estavam se esforçando para me ajudar e eu não ia recuar por nada. Estava duro como uma pedra e assim iria permanecer.

ü  Pronto? Perguntou Stella.
ü  Sim.
ü  Esperem um pouco. Disse Marcos. Deixem-me falar com o pastor e depois chamo vocês. Falou e entrou sem esperar resposta.
ü  A Paz do Senhor, pastor Gabriel. Tudo bom?
ü  A Paz do Senhor para você também irmão marcos. Como vai? Por que Stella e o Ronaldo não entraram?
ü  Esta vendo o senhor que nos acompanha? Ele é a pessoa de quem te falei ao telefone. Me adiantei só para evitar constrangimentos de qualquer parte, tudo bem?
ü  Sem o menor problema, estou ciente que a noite de hoje será sem igual na história desta igreja, mas conseguirei, sob a orientação do Espírito Santo dirigir tudo a contento. Mas esteja preparado você, com certeza, pode esperar coisas feias pela frente, tem certeza de que esta preparado? Vou adiar a reunião de diretoria para outro dia e a noite de hoje e para festas no céu, e muita guerra espiritual, a batalha vai ser tremenda. Já avisei a pastora Margarete, ela já esta em oração trancada dentro do gabinete pastoral. Pode trazer seu amigo.
ü  Certo. Espere.
Nos chamou e conduziu até o pastor. Ronaldo e Stellla o cumprimentaram e me apresentaram.
ü  Este é nosso amigo Digo. Disse Stella me apontando, é a primeira vez que nos visita aqui na igreja.
ü  É um prazer telo conosco. Sou o pastor Gabriel. Sinta-se em casa e disponha de nossa hospitalidade. Qualquer coisa que precisar estarei a sua disposição.
Procurou ser o mais cordial possível o pastor. Mas dentro de mim um grito horrível se fazia ouvir. Me ordenando para que saísse  daquele lugar o mais rápido possível. Pensei até que todos tinham ouvido mas notei que era somente comigo, só eu ouvia as vozes de meus fantasmas interiores.
ü  Estou muito feliz em estar entre vocês e espero poder retribuir a gentileza de vocês para comigo. Mas no momento, eu estou aqui desesperado por uma porta que me conduza a um rumo em minha vida.
ü  É nosso dever te mostrar esta porta, cabe a você a decisão de atravessá-la e persistir no caminho, mas tudo ao seu tempo. O culto já esta para começar no final do mesmo estarei a sua disposição para mais esclarecimentos, de ambas as partes espero, tudo bem?
Deixou o pastor esta em questão ao que pude responder mas sem muita convicção, pois estava morrendo de medo por dentro.
ü  Com certeza. No final do culto nos falaremos mais.
ü  Com licença. Disse se encaminhando para dentro da igreja, caminhava e brincava com todos, mas senti nele, apesar de sua pouca idade, muita força espiritual e determinação.
ü  Vamos sentar. Disse Marcos Stella com esses saltos enormes, nem sei como consegue se manter de pé.
ü  Gracinha, ele nem é tão alto assim. Tem só doze centímetros. Defendeu-se Stella indo sentar-se ao que a acompanhamos.
ü  Ronaldo, estão te chamando.
Ronaldo se levantou de novo, e foi a um grupo de irmãos que estavam mais afastados. Ele fazia parte do grupo diaconal da igreja e eles já estavam, mais ou menos,  informados a meu respeito pelo pastor, mas que se absteve de detalhes. Era apenas uma garantia para a boa ordem do culto. Se bem que não ia adiantar muita coisa nesta noite.
Vi o pastor se levantar de trás do púlpito onde tinha se ajoelhado para orar. Sua esposa agora estava ao seu lado. E nesta noite contrariando alguns costumes, ele mesmo dirigiria o culto.
Iniciou cumprimentando a igreja novamente, pois não parava de chegar mais irmãos.
ü  Boa noite amados, a paz do Senhor a todos. Vamos nos levantar e orar ao Senhor dando inicio a este culto de adoração.
ü  Convido o irmão Pedro a nos elevar a Deus neste momento.
Vi um senhor de aparência muito sóbria, que esteve reunido no grupo com Ronaldo, elevar a voz e orou com uma voz de tenor porem muito agradável. Usou de palavras inteligentes e bem colocadas, demonstrando um costume na pratica de orar e uma intimidade com Deus que eu nunca tinha presenciado, afinal eu não entendia nada deste ritual ainda, mas sabia no meu interior que ali estava um guerreiro de oração que não se deixava abater.  
ü  Prosseguiremos nosso culto louvando e adorando com um cântico através da irmã Celina. Que nesta noite tem motivos especiais ainda maiores para louvar ao Senhor. Mas deixarei por conta dela tirar a curiosidade da igreja ou não. Irmã fique a vontade e deixe Deus te usar.
ü  A paz do Senhor amados, cumprimentou a irmã, muito bem trajada, com elegância, suavidade e impunha respeito através de suas vestes e modos. Possuía uma pele escura e dentes alvíssimos, possuía uma beleza impar e de uma voz que era normal. Deu um testemunho de que apesar de seu medico sempre lhe afirmar que era estéril, ela estava grávida de já dois meses, só não havia contado antes a igreja porque esperava a confirmação dos exames. E agora eles estavam em suas mãos. Mas ainda não sabia se era menino ou menina. Mas de qualquer forma, era um presente de Deus em sua vida e de seu marido.
ü  Convido a todos que conhecerem este louvor a adorar comigo ao Senhor.
Cantou um hino de letra lindíssima. A voz que antes era normal quando falava. Igual a tantas outras, de repente se transformou. Era como um pássaro cantando numa suavidade sem igual. Com certeza muitos da igreja sabiam a letra, o que não era meu caso, mas ninguém cantou com ela para não atrapalhar. Todos acompanhavam espiritualmente, glorificavam, gritavam, aleluia, termos que ate aquele momento eu ainda não conhecia. Mas senti a igreja se elevando em algo que eu não podia explicar. A irmã Celina continuava a cantar. E dentro de mim algo se rebelava. Queria que eu saísse dali. Que eu não merecia estar ali entre aquelas pessoas limpas. Que eu era sujo, não valia nada e estava tentando enganar aquele povo. Meu estomago doía. Me deu enjôo. Mas fiquei. Vi que o pastor estava olhando em minha direção também na direção dos diáconos. Estes seguiram seu olhar e me acharam. Mas eu estava quieto e tentava a todo custo me manter assim.
Gritei dentro de mim mesmo por ajuda. De desespero. De dor. De medo.
Vi que a pastora agora também olhava discretamente em minha direção. Senti sua compaixão. Senti a força daquela mulher que me fez encolher no banco.
Parecia que o púlpito tinha saído do lugar.
Parecia que eu tinha saído do templo da igreja.
Parecia que a canção que Celina cantava tinha nos levado ao trono celeste.
Não sabia o que estava acontecendo mas parecia que anjos voavam ao nosso redor. Afastavam uma nevoa negra para longe e a mantinha longe. Esta nevoa se revoltava, se mexia incontrolavelmente, ganhava formas estranhas, demoníacas, pareciam espécimes de repteis, misturando-se com coisas que eu não saberia definir, davam medo...
E a canção continuava. A igreja estava linda. Compenetrada em adoração, choravam, riam, batiam palmas, mas era tudo dentro de uma mais linda ordem e respeito ao Espírito Santo que se fazia presente.
O Espírito Santo. Eu sentia que era Ele, embora eu ainda não o conhecesse direito, que estava me conduzindo por uma nova estrada, era Ele sim, o Espírito do Deus Vivo.
Vi que a pastora, se pois em pé atrás do púlpito. Levantou a voz e ministrava adoração, numa linguagem que eu nunca tinha ouvido, não sabia o que ela estava dizendo, mas sabia que ela estava adorando, senti que o Espírito Santo se avolumava dentro da pequena igreja, senti uma esfera espiritual cada vez mais forte e vi a nevoa negra se afastando empiricamente, senti que dentro de mim tinha uma revolta. Mas eu ainda estava bem.
A canção acabou. A irmã Celina agradeceu em lagrimas. E se retirou para seu assento. Aos poucos a igreja ia se sentando e em espírito se acalmando mas a adoração continuava.
ü    A cada dia que passa, eu me apaixono mais pelo meu amado Espírito Santo. Disse a pastora Margarete. A sua presença se faz cada vez mais forte neste lugar.
ü    Não deixem esta atmosfera esfriar, os anjos do Senhor passeiam entre a igreja. Aproveitem a oportunidade para adorar em espírito e em verdade pois o Pai é espírito, e procura aqueles que o adorem em espírito e em verdade.
ü    Que aja renovo, restauração, entrega neste lugar porque onde o Espírito Santo esta este lugar se transforma em lugar santo também.
ü    Adore, adorem o Senhor com toda força e integridade de seus corações. Recebam do Senhor nesta noite.
Eu ouvia essas palavras, era uma linguagem estranha para mim, mas eu sabia exatamente o que ela estava transmitindo, e mais, a profundidade que essas palavras tinham.
Outras pessoas cantaram, o coral da igreja cantou lindamente, mas chegou a hora da mensagem. Todos se calaram. O pastor orou. Disse que estaria ministrando a palavra em dois textos básicos e adjacentes. O evangelho segundo o apostolo João capitulo 12 e versículos 24 e 25, e o Salmo 2 , versos 7 e 8.
João 12:24-25  Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem, neste mundo, aborrece a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna.
ü    Muitas pessoas pensam somente em si mesmos, somente seus interesses é que contam enquanto eles estiverem levando vantagem, tudo esta bem. Só se preocupam com suas posses e aumentar dia a dia seus patrimônios. Essas pessoas não sabem, mas já estão mortas. Estão mortas para a eternidade. Mortas em si mesmas. Não podem produzir frutos pois são arvores estéreis que não servem para alimentar ninguém. Enquanto isto, a outros que dão suas vidas em prol de outros. Não ligam para seu próprio bem estar, amam a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Estas pessoas estão mortas para os valores deste mundo tenebroso e estão vivas e entesourando valores para sua vida eterna em Cristo Jesus. Pessoas ricas aos olhos de Deus. A estes Ele chama de filhos. E a estes Ele convida, chama pelo nome, e lhes oferece seus manjares, já os preparando para o de melhor. E diz em sua palavra:
ü Salmos 2: 7-8: Recitarei o decreto: O SENHOR me disse: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra por tua possessão.
ü    Será que existe algo melhor que isto? Ser chamado de filho pelo próprio Deus? Receber uma oferta de bênçãos a nível mundial? E a única exigencia? Morrer para o mundo e viver para Ele.
E o pastor continuou incansável mostrando o grande amor do Senhor em detrimento ao egoísmo do homem, a sabedoria de Deus em comparação a loucura do homem.
ü    Se houver aqui nesta noite, alguém que nunca sentiu o ou pode desfrutar do grande amor deste Deus maravilhoso, e que gostaria de entregar sua vida a Cristo, esta é sua oportunidade. Venha aqui na frente e estarei orando junto contigo e você poderá sair daqui hoje tendo o privilegio de ser chamado filho de Deus. Não sinta vergonha, se ferve em seu coração a vontade de se entregar a Cristo, venha.
Eu queria ir lá. Correr lá para a frente, me ajoelhar, vi que Marcos e Stella olhavam para mim me incentivando. Meus braços pesavam quinhentos quilos cada um, minhas pernas não respondiam. Vozes gritavam dentro de mim para  sair deste lugar e ir embora, voltar para a praça.... e eu fiquei ali sentado, morto, congelado. Senti vontade de ir. Marcos me disse que me acompanharia ate lá na frente. O pastor continuava a convidar mas eu não tinha coragem... e não fui. Senti a tristeza de Marcos e Stella, pude ver na distancia o rosto de Ronaldo, mas não fui, estava apavorado...   
ü    Eu espero que você tenha uma outra chance. Ouvi o pastor dizendo. Estaremos nos encaminhando para o final deste culto, a reunião que estava marcada para hoje teve de ser adiada para a sexta próxima.
Entregou a direção para a pastora Margarete para esta encerrar com avisos e a oração final. E sentou-se. Abaixou a cabeça e orou, em silencio ele orou.
Findo o culto desta noite, pedi a marcos e Stella que ficassem comigo um pouco mais ali no banco, e eles ficaram. O pastor se encaminhou juntamente com sua esposa para a porta onde se despediu de todos que saiam de volta a seus lares. Quando havia apenas alguns obreiros na igreja, eles se encaminharam até o banco onde estávamos, sabiam que eu queria falar com eles. Tranquilamente nos convidou a ir ao gabinete pastoral e fomos os cinco para lá.
Era um escritório ate bem espaçoso, e parcamente mobiliado, simples mas bonito.
Muitas reuniões deviam ter lugar naquele espaço. Muitas vidas já se revelaram ali. Conselhos, libertações. E agora, eu...
ü    Digo, quero que se sinta bem a vontade. Esta é minha esposa a pastora Margarete. Sei que queria falar conosco e estamos a sua disposição. Também quero te dizer que você não poderia estar mais bem assessorado que com esse casal que o esta acompanhando. Disse o pastor para inicio de conversa.
ü    Grato pela compreensão, comecei. Narrarei o que se passou comigo lá dentro da igreja, ou melhor, durante o culto.
Falei sobre todo o conjunto das experiências que senti, das visões, do enlevo espiritual, da sensação da presença do Espírito Santo. Falei e falei muito, e chorei muito. Eles pacientemente ouviram em silencio. Com poucas perguntas para elucidação do contexto da narração. Mas quando falei do desejo de ir ate a frente mas que minhas pernas não obedeciam, e meus braços pesaram uma tonelada, ele balançou a cabeça e disse.
ü    Nada te impede de fazer a confissão aqui mesmo. Diante dos santos do Senhor. Tem o mesmo valor que diante da igreja.  
ü    Serio? Disse surpreso. Vocês oarariam por mim aqui e agora?
ü    Sim, atalhou a pastora e foi confirmada pelo pastor.
ü    Você gostaria de entregar sua vida a Cristo neste momento, basta confessá-lo aqui e agora e estaremos orando por você.
Tentei dizer sim. Mas não consegui. Agora sabia que era um demônio dentro de mim que me impedia, fechou minha garganta impedindo que eu falasse qualquer coisa. O pastor, pela longa experiência no assunto, sabia o que estava se passando. Perguntou se eu queria que orasse por mim, não respondi e ele me disse que bastaria que balançasse a cabeça afirmativamente ou não. Afirmei que sim.
Os quatro se levantaram dirigidos de comum acordo pelo Espírito Santo ficaram ao meu redor e começaram a orar. O pastor e a pastora colocaram uma mão em minha cabeça e com a outra me apoiaram.
Neste momento tudo começou. Veio explodindo de dentro de mim de uma forma incontrolável. Meu corpo se retorcia e minha boca espumava. Uma voz rouca e horrenda falando através de minha boca. Gritava que eu lhe pertencia. Que meu pai tinha me dado a ele. Que ia me matar, que assim que saísse dali eu iria me matar afogado ou em baixo de qualquer carro. Gritava e se contorcia. Alguns diáconos que ainda estavam no templo vieram para ver o que estava acontecendo, também se colocaram em intercessão. Eu mesmo não sabia de nada disso, vim a saber através da narração dos meus amigos depois.
A guerra foi longa. Marcos se afastou um pouco e ligou para seus pais para avisar que demorariam mais do que o previsto mas para não se preocuparem que assim que pudessem iriam buscar a bebe.
Um após o outro, demônios se manifestavam e eram expulsos, parecia que tinha havido uma festa demoníaca dentro de mim e todo inferno tinha sido convidado para participar, verdadeiro hallowen.
O pastor suava a bicas.
A pastora, guerreira de oração determinada. Estava já com suas belas roupas amarrotadas mas nem por isso arredava um passo sequer.
E meus amigos, Marcos e Stella, irmãos mais que irmãos que eu tinha ganho naquele dia.
A luta foi dura. Ficaram sabendo de muitas coisas através daquelas criaturas imundas. Mas La pela meia noite, teve fim a batalha daquela noite.
Eu estava muito mal, tinha vomitado, babado, xingado, fedia, mas eles estavam lá comigo. E quando eu me libertei do poderio daqueles demônios. O pastor fez de novo o apelo.
ü    Você gostaria de entregar sua vida a Cristo neste momento, basta confessá-lo aqui e agora e estaremos orando por você. Agora tenho certeza de que você esta pronto para fazer esta decisão de livre e espontânea vontade.
ü    Sim. Eu quero. Sim. Disse repeti, gritei, chorei, sei lá o que mais, pois agora era senhor de minha vontade e podia decidir pela vida. E chorei muito.
ü    Repete comigo esta oração. Senhor Jesus Cristo. Eu hoje te recebo como Senhor e Salvador de minha vida. Escreve meu nome no livro da vida. Em nome de Jesus , amém.
E eu repeti, palavra por palavra. E chorei de novo. E todos me abraçaram. E choraram também, e os diáconos que haviam ficado, já tinham fechado as portas da igreja, e estavam ali reunidos e me abraçaram também e naquela noite, a noite do dia mais longo de minha vida. Brincamos. Rimos. Houve festas no céu. Houve festas ali, no gabinete pastoral que se estendeu até o templo também.   
Mas como tudo tem um fim, os irmãos começaram a se retirar e fechamos a igreja. Marcos e Stella convidaram ainda os casal pastoral a ir jantar.
ü    Pastor e pastora, vocês não querem ir até em casa e jantar conosco, já é tarde para ir para a cozinha? Convidou-os Marcos.
ü    Obrigado, mas e a Sandrinha? E também não queremos dar trabalho. Respondeu o casal de pastores.
ü    Não é trabalho algum. A pizzaria fica aberta até tarde. Passamos lá e compramos pizzas e refrigerantes. E quanto a bebe, ela vai dormir na casa dos avôs dela. E mais ainda, todos devemos ter muito a conversar sobre a loucura que foi esta noite. Que culto maravilhoso este.
ü    Esta bem, se Stella não se incomodar, vamos dar-lhes este trabalho. Disse o pastor Gabriel, mas já vou avisando, sou um bom garfo para pizza.
Ao que todos riram e Stella completou.
ü    Não será trabalho algum, mas sim, uma honra.
ü    Vamos.
ü    Disse Marcos e a pastora ao mesmo tempo.
No caminho íamos conversando animadamente. Quero dizer, eles, porque na verdade, eu estava ainda sob choque de tudo que tinha acontecido. Quando me perguntaram como eu estava pude responder de forma indireta.
ü    Estou ainda um pouco confuso. Se vocês olharem direito para nossas vestes verão que parece que viemos de uma briga de bar.
ü    Sim, é verdade, mas vou te dizer que faria tudo de novo e perseveraria ate de manhã se fosse preciso. Foi duro mas valeu a pena, temos mais um guerreiro ao nosso lado. É isto que se chama de saquear o inferno e povoar o céu. Disse a pastora Margarete com uma espressao muito feliz no rosto. Já te amamos como se te conhecêssemos a muito tempo, acredite.
ü    Margarete tem razão, mas mesmo assim precisamos te alertar que a luta não esta terminada. O inimigo de nossas almas esta irritado e furioso e não vai ficar de braços cruzados olhando você ir embora de suas trincheiras e acenando com um lencinho perfumado, não, ele vai vir para cima com tudo que tem de pior, e mostrar suas garras venenosas. Ganhamos uma batalha porem a guerra continua. Sempre que presisar conte conosco. E ore, ore muito para que o Espírito Santo te oriente a cada passo de sua nova vida. Completou o pastor animadamente mas com os pés no chão.
ü    Orar? Sei o que é, mas não sei fazer. Somente agora minha mente começa os primeiros passos sôfregos nessa nova caminhada de minha vida. Preciso imensamente de orientação e ajuda de vocês. Já estou ate com vergonha de todo trabalho que estou dando ao Marcos e a Stella, ...., mesmo que...
ü    Você não da trabalho nenhum, Digo. Atalhou Stella, me cortando, para que eu me sentisse mais a vontade ao que Marcos confirmou amigamente.
ü    Sim, é meu mais novo irmão, e sinto-me honrado por Deus por ter servido de canal de bênçãos em sua vida.       
ü    Estaremos prontos para servir de guia nesta sua nova jornada. Eu e a pastora Margarete temos o dever e obrigação de cuidar de você como bebê espiritual que você é, e mais, como nosso atual filho na fé, nosso e do Marcos com a Stella, claro, estaremos 24 horas por dia a tua disposição, e de igual modo, intercedendo pela tua vida...   
ü    Obrigado, já me sinto parte da família, mesmo sem ter sido convidado. Sei que vai ser duro agüentar as investidas e ainda me vêem a mente as acusações, as visões, etc... pensei que se afastariam depois da oração que fizeram e de minha confissão...
ü    De certa forma, sim, mas não totalmente ainda. O cristão é imune a possessão maligna, porem ainda é susceptível a ataques do diabo. Eles não podem te possuir mais, mas podem tentar te oprimir. Você vai ter de ser forte para agüentar a luta mas vai ter ajuda do Espírito Santo e dos anjos do Senhor ao seu lado. Explicou o pastor.
Íamos caminhando e conversando. E como que para selar as palavras do pastor, neste momento surgiu na esquina próxima um grupo de rapazes e moças que atravessaram a rua e se encaminharam em nossa direção. Chegando mais perto começaram a zombar e insultar-nos. Senti a tensão de Marcos e Stella, porem os pastores ficaram tranqüilos. Logo minha natureza ainda em formação quis se levantar e os por para correr ao que o pastor colocou uma Mao em meu braço e dirigiu-se ao bando.     
ü    O que vocês querem? Não levamos dinheiro conosco, nem celular, é melhor irem embora.
ü    Que isso, o bíblia. Disse rindo debochadamente. Nossa historia não é com você, não. É com esse traste ai,ó. Saco cara. Tamo na cola dele. E saca ai, se pensa que vai ficar barato ta muito enganado. Tem de entender que você é moeda de troca, carinha e papai não deixa escorrer pelos dedos o que lhe pertence, não mesmo. Pode tentar fugir mas ele vai atrás de tu onde estiver, e quem espiver por perto vai entra na roda também. Saco?
Acreditei que só eu ali entendia a linguagem imunda daquele moleque, mas me enganei porque o pastor sabia de tudo que ele estava dizendo. E o professor Marcos não ficava atrás, ele estava acostumado a lidar com jovens que falavam quase da mesma maneira, porém não tão carregado.
O pastor sabia que era o próprio demônio falando ali, através daquele jovem que de forma alguma poderia saber que Digo tinha entregado sua vida a Cristo. Então disse por todos nós.
ü    Este senhor é livre para fazer de sua vida o que bem lhe entender e ninguém pode lhe impedir.
ü    Isto é o que tu dizes, cara, papai não concorda, não, de maneira alguma. Mandou dizer que ou volta para casa ou morre de maneira bem feia.
Os jovens riram, debochadamente e se aproximaram ainda mais com cara de pouco amigos e ainda ameaçadores.
Neste momento surgiu como que por milagre dois policiais fazendo a ronda, viram que algo ia mal e apitaram. O bando correu em direção oposta e sumiu nas trevas da noite. Os policiais se aproximaram e perguntaram se estava tudo bem.
ü    Boa noite, tudo em ordem? Acreditamos que estavam sendo ameaçados, estávamos  certos? Roubaram algo dos senhores? 
ü    Não. Eles só estavam tentando nos assustar. Ainda bem que os senhores chegaram, evitaram o de pior.
ü    Esta bem tarde. Estavam desfrutando da noite?
ü    Estamos indo a pizzaria e depois vamos para casa.
ü    Vamos acompanhá-los ate a pizzaria e depois seguiremos nossa ronda. Afinal também policiais comem. Disse e riu para seu companheiro.
ü    Será um prazer tê-los por companhia. Disse Marcos, as mulheres principalmente se sentirão muito mais tranqüilas.
ü    Esta rua faz parte de nossa ronda, professor, não nos desviaremos de nada, e a dona da pizzaria também gosta quando passamos lá, sempre nos oferece refrigerante e salgados por conta da casa. Nós aceitamos só por gentileza.
Marcos ia perguntar de onde o policial o conhecia mas Stella atalhou antes.
ü    É verdade a Márcia é uma pessoa maravilhosa. E suas pizzas são muito famosas. Disse Stella com ênfase, voltando a ficar mais calma.
ü    Você me chamou de professor. Me conhece de onde?
ü    Acredito que quase toda a cidade deve conhece-lo, afinal a maior parte das pessoas estudaram aqui no mesmo colégio onde o senhor da aulas.
ü    É, tem razão, é mais fácil lembrar-se de um professor, que de milhares de alunos. Fico feliz por isso.
ü    O senhor sempre foi um professor amigo, então depois de se formar todos pretendem manter um amigo professor. Disse rindo.
ü    É, é bom ser aprovado pelos alunos.
ü    Estes são nossos pastores, pastor Gabriel e sua esposa pastora Margarete. E este é meu irmão em Cristo, Digo.
ü    É um prazer conhecê-los pessoalmente. De  vista já conheço os pastores, o outro, não me é estranho, mas não me lembro de onde o conheço, deve só me lembrar alguém. É novo na cidade?
ü    Não, já moro aqui a uns dez anos mais ou menos. Incrível, sou muito bom fisionomista mas não me lembro do senhor.
ü    Não me surpreendo com isto, estava de certa forma doente e só agora estou começando a sair de novo. Espero poder acrescentar muitos amigos a minha pequena lista.
ü    Então é por isso. Chegamos. Disse o policial e deu a preferência as senhoras entrarem na frente. Fomos recebidos com entusiasmo pela dona do local que era, de velho, conhecida dos irmãos.
Porem de velha não tinha nada. Dona Márcia tinha herdadoa velha pizzaria do pai, já falecido. Era muito pequena e feia na época, porem através de um programa financeiro de incentivo do governo e aplicando as técnicas apreendidas na faculdade, transformou o lugar num “point” agradável e muito bem freqüentado. E alem disso, a melhor pizza, restaurante e lanchonete da cidade. Ou seja, toda a cidade conhecia e freqüentava. O que era de maior admiração ainda é que Dona Márcia era apenas uma jovem senhora, porem mantinha o respeito acima de qualquer coisa. Sempre alegre, sorridente, educada, porem, distancia. O lema era sempre; “Respeito é bom e eu gosto”.     
ü    Boa noite, sejam sempre bem vindos a minha casa. Fiquem a vontade. O que desejam?
Perguntou se dirigindo ao grupo guiado por Stella e Margarete. 
ü    Espero não estar sendo presa. Não sirvo bebidas a menores. Disse rindo por causa dos policiais.
ü    Não, não. Estão apenas nos escoltando por causa de alguns arruaceiros, e também intencionavam vir por aqui de qualquer maneira. Nós queremos duas pizzas para viagem. Uma Napolitana e uma 4 Queijos. E um refrigerante Guaraná grande.
ü    Nós apenas estamos de passagem. Disse o policial. – esta tudo bem por aqui? Tem um grupinho de vândalos passeando por ai hoje.
ü    Aqui tudo esta em ordem. Mas agradeço a preocupação e o cuidado. Mandarei servir um suco e salgados para os senhores.
ü    Não precisa se incomodar conosco.
ü    Não é incomodo. É investimento em segurança. Deisse rindo e todos junto com ela. – Este senhor eu não conheço? É turista por aqui.
ü    É nosso irmão em cristo. Disse Marcos. Seu nome é Digo. Ele vai permanecer conosco um tempo ainda. Esta hospedado em nossa casa e vai a nossa igreja.
ü    Seja bem vindo a minha pizzaria.
ü    Parece que o conheço mas não lembro de onde.
ü    Pareceu-me a mesma coisa disse o policial.
ü    Mas se esta com o professor e o pastor, é da casa. E sorriu de novo aquele sorriso que trazia muitos clientes a sua pizzaria. Disse Márcia.
ü    Quando teremos a  honra de tê-la como visitante em nossa igreja. Perguntou o pastor para mudar de assunto.
ü    É complicado para mim. Os horários de culto coincidem exatamente com os horários pico da casa. Mas prometo que um dia fujo da patroa e vou ate lá me refugiar.
ü    Promessa é divida. Cobrarei.
ü    Também te espero em casa para um café qualquer tarde, Márcia, desde a faculdade estamos sem nos encontrar se não for aqui. E aqui você não tem tempo de por o papo em dia.
ü    Também espero receber uma visita sua em minha casa. Em casa não mexo uma palha. Minha secretaria faz tudo. Eu preciso desse tempo para relaxar. Aparece aqui em casa e traga a sua bebe, a Sandrinha, mandarei fritar um montão de batatinha e uma montanha de sorvete para ela e para nós duas também.
ü    Pessoal esta tarde, temos de ir andando. A noite ainda promete. Profetizou a pastora.
ü    As pizzas já devem estar prontas, vou ver e apressa-las ainda mais. Disse Márcia.
Eu que estava meio calado, ou calado e meio, desde o culto concordei com a pastora e falei;
ü    Estou com mal pressentimento também, mas não estou com medo, só apreensivo, deve ser por causa da experiência nova que passei. A isto os policiais esticaram os ouvidos e o mais novo me perguntou;
ü    Já havia tido outras agressões ou problemas antes de chegarmos? Vocês não disseram nada senão teríamos ido atrás dos delinqüentes naquela hora mesmo.
ü    Não é este o caso. Mas é difícil de explicar. Os meus problemas são no campo espiritual. Mas esta tudo sob controle.
ü    É, neste campo, as autoridades não sou eu e o sargento, não, é ai com os pastores. Ministros, autoridades de respeito.
Márcia voltou com as pizzas, refrigerante e a conta. Eu não sabia quanto custava uma pizza, e fiquei estarrecido. Se bem que não tinha a menor idéia do valor de quase nada, tudo que eu tinha era doado ou achado. Os trocados que recebia era para beber. Mas desde a noite na praça, acabara de perceber, não pusera uma gota de álcool na boca e também não tinha a menor vontade de fazê-lo. O pastor ia pagar porem Marcos não aceitou, disse que havia convidado e a conta era dele. O pastor aceitou para evitar mais atrasos. Pegamos os pacotes e saímos após nos despedirmos de Márcia  e dos policiais que já estavam sentados e se deliciando com coxinhas, pasteis e refrigerantes.  Márcia também foi cumprimentar outros clientes recém chegados nas outras mesas, sempre com um belo sorriso nos lábios.
O resto do caminho foi rápido e silencioso, com poucas palavras. O que a pastora havia dito ainda ressoava nos ouvidos de todos. Mas chegamos sem incidentes. O pior, para mim, no caso, seria após a hora de dormir. Mas tudo ao seu tempo...   


















A ESCOLA DO ESPÍRITO SANTO!
        
ü    Pronto, estamos em casa, disse Marcos ao abrir o portão de sua residência. Estou cansado, e muito eufórico com tudo que houve hoje, e vocês?
ü    Eu estou curioso para saber se alguém tem algo de novo sobre a situação espiritual, não tendo titulo melhor para dar, em que nos metemos. Expressou-se interrogativamente Stella. Enquanto pensam, vou pegar pratos e copos.
ü    Eu ajudo. Disse a pastora Margarete. Estas pizzas estão com um cheiro ótimo.
ü    E então pastor, sobre a pergunta de Stella, tem mais algo a nos orientar? Falou alto para que as mulheres pudessem ouvir.
ü    Sim, enquanto comemos vou dizer o que se passa nestes tipos de situações.
Sentamo-nos na mesa e enquanto as mulheres distribuíam os pratos Marcos já ia dividindo as pizzas de acordo com o que cada um queria. Eu por exemplo queria das duas e dois pedaços de cada vez, mas fiquei calado e deixei por conta dele servir. No final eu sabia que ia sobrar bastante, tinha duas mulheres, e mulher comumente come pouco. Meus olhos vibravam diante daqueles pedaços de pizza. Sabia me portar bem a mesa, de onde veio o bom comportamento eu não sabia. Se tinha tido uma residência, família, onde treinei um refino, já percebido por Marcos antes. E agora na mesa do jantar, também não passei vergonha. Comi de bom gosto e bastante.
ü    Eu também sou um bom garfo. Disse o pastor. Mas perdi longe para o professor e para o Digo.     
ü    Mas estas pizzas estão mesmo uma delicia. Pena estar de dieta. Disse Stella.
ü    Bem, agora que estamos todos satisfeitos, quero salientar uma coisa a todos vocês, a situação do Digo não é das melhores, vocês ouviram através da boca dele mesmo e do rapaz, líder do bando que nos abordou, que o inimigo não vai ficar de braços cruzados não. Começou o pastor.
ü    Mas pastor, o que nos cabe fazer. Pensei que após ter tido um encontro com Cristo a situação do Digo ia mudar radicalmente. Não é assim? Stella inquiriu por todos nós.
ü    Você esta certa, Stella, mudar radicalmente, sim, mas principalmente no inicio da caminhada, o inimigo vai atacar com todas as suas armas para tentar  levar o Digo de volta a suas fileiras ou matá-lo. Ajudou a pastora Margarete.
ü    Ainda, o cristão não pode ser assumido por nenhum demônio. Mas não esta livre de ser ameaçado. O diabo usa de uma opressão terrível para tentar desestabilizar o crente e fazer este perder a fé. Se você perde a fé. Acabou sua trajetória com Cristo.
ü    Não entendi, mas o Espírito Santo não esta ai para me ajudar a combater o diabo. Perguntei, entre assustado e duvidoso.
ü    Sim, Ele esta ai para te guiar por todo o seu caminho, mas quem te disse que na sua jornada não vai ter pedras e espinhos. Cristo nos disse em sua palavra  em “João 16:33  Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.”
ü    Não temo as lutas da vida, lutar contra o que não posso ver é que é complicado. O que me diz?
ü    O Espírito Santo vai te orientar e mostrar quando uma coisa é natural ou é obra das forças do maligno. Para isto você tem de começar a buscar ao Senhor e se tornar intimo d’Ele.   
ü    Fácil falar para quem sabe como fazer, mas eu não tenho a menor idéia de como me achegar a Deus.
ü    Não se preocupe. Você só precisa querer e Ele entra com os recursos. Vai colocar em seu caminho as pessoas certas para te orientar, como tem feito até agora.
ü    É verdade. Ele colocou o Marcos, a Stella e vocês. E o que tinha feito por Ele até hoje? Nada. Mas e a partir de agora? Como seguir as pistas do Espírito Santo?
ü    Lhe daremos toda nossa dedicação, com uma única exigência. Não nos esconda nada de que você se lembrar. Feito? Entrou de novo a pastora Margarete na conversa.
ü    Eu e o Marcos também nos dedicaremos totalmente a lhe ajudar a desvendar os enigmas de sua vida. Creio que a cada dia surgirá novas pistas de seu passado, você vai ver. Stella deixou a sala e logo depois voltou com algumas taças de sobremesa. 
ü    Espero. Tenho receio de acordar e descobrir que foi tudo um sonho. Ate ontem eu ainda era um mendigo. Agora olhem só até onde cheguei.
ü    Mendigo? Perguntou espantado o pastor e também de olhos arregalados sua esposa. Marcos disse que tinha um amigo com problemas espirituais, que levaria até a igreja mas eu jamais poderia imaginar uma coisa dessas. 
ü    Eu sabia que lhe conhecia. Disse a pastora. Mas eu custo acreditar. Era você o mendigo que ficava na pracinha?
ü    Sim. achei que o professor Marcos já havia lhes contado. Me desculpem.
ü    Não tem de que se desculpar. Só ficamos espantados.
ü    Eu é que peço desculpas. Disse o professor. Esqueci deste detalhe importante. É que ao mesmo tempo quis poupar a privacidade do Digo. Deixei para que ele contasse quando achasse melhor.
ü    É. Na verdade você tinha razão nisto. Só ... é.... nada deixe tudo isto de lado. Mas agora vocês tem de nos esclarecer um pouco mais desta história, como tudo chegou a este ponto?
ü    Ninguém sabe. Minha origem ainda é um mistério. Em sonhos e visões tive alguns esclarecimentos. Ate mesmo vozes falando ao meu ouvido. Me disseram que eu lhes pertencia. Que meu pai me tinha ofertado em troca de prosperidade nos negócios. Vi também em sonhos algumas cenas deste tido de consagração. Onde meu pai, creio eu que seja ele, possesso estava me entregando a um velho estranho que fez alguns rituais esquisitos, mas de concreto mesmo, não tenho e não sei de nada.
ü    E como vocês entram nessa historia? Perguntou dirigindo-se a Marcos e Stella.
ü    Foi por acaso. Eu fui correr na praça de manha como de costume. Quando vi, ele estava caído na fonte e ia se afogar. Corri para ajudá-lo. Soube depois que o Digo tinha sido surrado por alguns vândalos e estava bem machucado. Porem o mais importante é que as pancadas recebidas, principalmente os chutes na cabeça,  despertaram em seu cérebro adormecido algumas lembranças e uma nova realidade de identidade. Estava vestido como mendigo. Estava sujo e fedido. Seus cabelos e barbas grandes e sujos. Tinha de se alimentar de restos e sobras. Mas não era um mendigo. E agora tudo isto lhe enojava. Ele não tinha noção de onde estava. E a quanto tempo estava ali naquela praça.                 
ü    Incrível. A pastora não deixou de se espantar com a narrativa. Tudo isto é demoníaco demais. Que sorte ele teve de você ter aparecido ali naquela hora.
ü    Esta vendo Digo. Deus já estava no controle antes mesmo de você o conhecer.
ü    Na hora que Marcos me encontrou. Eu disse que tinha caído. Mas o demônio dentro de mim estava mandando que eu me matasse afogado ali mesmo, e eu ia fazer isto.
ü    Os acontecimentos tinham saído do controle dele e ele queria ter certeza que você não lhe escaparia das mãos. Antes morto que livre, entendeu?
ü    Sim, eu agora entendo. Enquanto Cristo é liberdade e vida, satanás é escravidão e morte.  
ü    E pensar que este homem bonito aqui na minha frente até ontem era o mendigo da praça. Como diz o diácono Ronaldo, me amarrote que eu to passada.
ü    Mas gente, saibam que a luta esta apenas no inicio. Entendam que temos diante de nós uma parte de um pacto que foi quebrado. O diabo esta furioso e vai partir com todas suas armas sujas para cima do Digo. Alias, este é mesmo seu nome?
ü    Não. Eu não lembro de meu nome. Este nome foi dado pela Sandrinha. Por causa de mendigo.
ü    Entendi. Mas logo sua mente vai voltar ao normal e as suas lembranças, a memória, o que tiver sido broqueado pelo diabo. Tudo, vai vir a tona. Afirmou o pastor.
ü    Vamos orar e depois vamos dormir, estou exausta. Disse a pastora. Amanha será outro dia. Ou melhor, daqui a pouco, já que é quase de manha já.
ü    Sim. Oremos disse Stella. Pastor tome a frente.
O pastor orou de forma expressiva, colocando minha vida, tudo que eu tinha sofrido, intercedendo para que o Senhor me protegesse. Me orientasse em cada situação. Orou por livramento em minha vida e que também estivesse abençoando ao casal que tanto tinha feito por mim. Ao final todos já estavam orando juntamente com ele, senti algo forte em meu interior, um fogo ardendo como nunca pensei existir. Mas este fogo não trouxe medo mas trouxe paz. E paz no momento era tudo o que eu almejava para minha vida.  Senti o abraço do Espírito Santo, senti carinho, e sentimento de família. Algo que não sabia existir. Eu agora tinha uma família. A família de Deus.
ü    Obrigado. Nunca ninguém fez nada por mim. Agora de uma hora para outra, vejo minha história de vida sendo mudada. Que Deus os abençoe muito a todos.
ü    Não fazemos mais que nosso dever de cristãos. Logo poderá fazer por outros também a mesma coisa. Disse o professor Marcos, meu irmão e meu amigo.
ü    Vamos, vou mostrar o quarto de vocês.
ü    O Digo já sabe onde esta hospedado.
ü    Sei sim. mas lembre-se que tem um monstro no quintal.
ü    Um monstro. Estranhou a pastora.
ü    Nada. É apenas o Lorde. Mas vou segura-lo para você passar. Logo ele se acostuma contigo e fica seu amigo.
ü    Ate que isto aconteça, eu mantenho distancia. E ri.
ü    Também tenho medo de cachorros. Disse a pastora Margarete.
ü    Ate amanha gente. Disse Marcos aos pastores e indo prender o lorde. Assim que ele chamou passei para a edícula onde eu iria dormir. Pretendia. Mas quem disse que consegui.
ü    Ate logo Marcos.
ü    Ate.
Assim que entrei no quarto me preparei para tomar um banho. As roupas que o professor Marcos tinha trazido, ainda estavam ali. No dia seguinte eu as colocaria em uma gaveta... mas a noite ainda não havia terminado, não.
Tomei banho. Aquele rosto estranho no espelho, não me assustava mais. Aos poucos estava me acostumando com esta nova fase de minha vida. Já era quase um homem de novo. Só faltava um passado...
Eu me preparei para dormir. 
Mas elas chegaram de novo.
As vozes vieram ao meu encontro assim que me aconcheguei ao travesseiro.
Me levantei de súbito e sentei na cama de novo.   
A vitória na batalha de um dia não significava a vitória de uma guerra.